Crianças e adolescentes na prisão » Porque essa é uma má ideia
Conectas lista argumentos contra redução da maioridade penal
17/04/2013
Pesquisa divulgada hoje pelo Datafolha
mostra que a superexposição na imprensa do assassinato do aluno do
curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper, Victor Hugo Deppman, de 19
anos, por outro jovem, de pouco menos de 18 anos, levou a 93% o número de paulistanos que se dizem favoráveis hoje à diminuição da maioridade penal.
Para 9% dos entrevistados pelo instituto, até menores de 13 anos devem
ser considerados como adultos, percentagem que é maior do que aqueles
que se opõem à medida, 6%.
Entretanto, quando é dada opção de escolher qual seria o método mais
eficiente para diminuir a criminalidade, 42% dizem que o ideal seria
criar políticas públicas mais eficientes para jovens. Outros 52% afirmam
que a redução da maioridade penal já melhoraria os índices criminais.
“Todo e qualquer homicídio é triste e lastimável e nos solidarizamos
com as famílias que perderam seus entes queridos. No entanto, nosso País
conta com mecanismos que nos possibilitam construir políticas públicas
em cima de fatos concretos, dados e estudos, e não de propaganda
alarmista e comoção momentânea. Do contrário, estaríamos diante de um
paredão de execução, onde, em pouco tempo, a própria sociedade
terminaria vitimizada por suas ideias absurdas, reacionárias,
ineficazes, injustas e surpreendentemente populares”, disse Lucia Nader,
coordenadora executiva da Conectas.
“Uma das propostas que circulam fala em criar um regime especial para
manter esses os jovens como ‘presos especiais’. Isso só fortalece mais
uma vez o nefasto ideal do encarceramento em massa, cujo resultado foi o
aparecimento e empoderamento de facções criminosas que atuam no
sistema”, disse Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas.
Para contribuir com o debate, a organização listou abaixo argumentos
para refutar os erros mais comuns envolvendo este assunto. Os mesmos
pontos estão contidos no Parecer Técnico ao Projeto de Decreto Legislativo do Senado Federal n. 539/2012, elaborado por uma rede de nove entidades.
Outro documento de referência
no tema foi elaborado em 2007 pela Unicef. Ele lista argumentos
sociológicos e jurídicos para rebater a ideia que as sociedades deve
encarcerar seus jovens cada dia mais cedo e por mais tempo, no intuito
de conter a violência. O estudo também aponta dados comparativos e
diferentes medidas adotadas no mundo todo. A Unicef alerta que “as
políticas sociais possuem real potencial para diminuir o envolvimento
dos adolescentes com violência”.
Na verdade, os jovens são mais vítimas da violência do que autores de crimes graves:
Os dados da Fundação Casa (em SP) mostram que a maioria dos
internados foi detida por roubo (44,1%) e tráfico de drogas (41,8%).
Latrocínio são apenas 0,9% e homicídio somente 0,6%.
Um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência é a
idade das vítimas. Observa-se que não há diferenças significativas de
vítimas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade.
Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um
íngreme crescimento do número de vítimas de homicídio, tanto branca
quanto negra, que se avolumam significativamente até os 20/21 anos de
idade das vítimas. Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos
quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente
mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas brancas passam
de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes. Já as taxas de
negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes.
Os dados elencados, portanto, apontam que a questão a ser encarada do
ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens, –
sobretudo, dos jovens negros –, e não a autoria de crimes graves por
jovens.
Propostas de redução da maioridade penal são inconstitucionais:
Motivos principais: i) a afirmação da idade penal faz parte dos
direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza
individual, portanto, irrevogáveis; ii) o Brasil é signatário dos
tratados internacionais - a exemplo da Convenção sobre os Direitos da
Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade
penal;
i) A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional
fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias
fundamentais individuais de nossa Constituição Federal de 1988. Não
vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente
para sua revogação.
ii) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança –
ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança
(no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o
sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Trata-se do primeiro
marco etário para definições de direitos, deveres e políticas públicas
correspondentes. Esse documento internacional alinha-se a outros, como
as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de
Menores (Regras de Beijing, 1985) e as Diretrizes das Nações Unidas para
a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad, 1990). Todos
esses documentos confirmam que a idade penal deve dividir a fase adulta
da fase infanto-adolescente, e, portanto, distinguir os tratamentos
estatais perante a prática delituosa.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o mito da impunidade do adolescente.
O advento do ECA alçou a questão da infância e juventude ao centro do
ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os movimentos
internacionais de direitos e proteção da criança e do adolescente,
colocando-os agora como sujeitos de direitos, tendo sido aplaudido em
fóruns internacionais.
Apesar dos avanços normativos nele contidos, o ECA é alvo constante
de críticas por supostamente fomentar a impunidade na medida em que
estabeleceria “apenas” medidas sócio educativas. Esta ideia se baseia na
concepção de que o adolescente seria incitado a cometer um ato
infracional porque a atual legislação seria branda quanto a sua punição.
Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade e se esquece que as
medidas de internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em
estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem somente
adolescentes que praticaram atos infracionais.
Pesquisa do CNJ de 2007 pôde constatar que a medida de internação é
sistematicamente imposta pelo Judiciário, mesmo para casos não graves
(exemplo: furto).
Além disso, não foram esgotadas, no Brasil, as formas de atenção que
se pode oferecer a estes jovens, seja pelas escolas, pelas instituições
de assistência, pela família, pela maior distribuição de direitos, pela
aplicação efetiva do ECA.
“Desconsideração da menoridade penal” é o mesmo que “redução da maioridade penal”?
Sim. Ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade
penal” de acordo com as hipóteses a serem criadas pelo legislador
ordinário, se reduz, na prática, a maioridade penal. Nos termos desse
tipo de proposta, a redução da maioridade penal, na prática, será mais
ou menos extensa de acordo com o talento do legislador ordinário e com a
conjuntura política que o animar.
Ondas conservadoras X pobreza
A preocupação com a criminalidade infanto-juvenil (que se manifesta
de tempos em tempos no discurso favorável à diminuição da maioridade
penal) funciona, na realidade, mais como um instrumento de
marginalização da população pobre do que uma ampliação e um
reconhecimento dos direitos civis dos jovens. Num país atingido por
fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis à
redução da maioridade penal são cúmplices deste processo de
criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo
os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica, social, econômica e
culturalmente.
Não se pode admitir o recrudescimento de importantes pilares sociais.
A essa dinâmica atribui-se a expressão vedação do retrocesso social,
segundo a qual a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas
sociais, em especial aquelas positivadas na CF e reconhecidas a todo e
qualquer cidadão brasileiro.
OBS.: Artrtigo origialment disponivel em CONECTAS DIREITOS HUMANOS: http://www.conectas.org/artigo-1/criancas-e-adolescentes-na-cadeia-porque-essa-e-uma-ma-ideia